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Martírio: uma dolorosa aula de História

  • camaraescurarevist
  • 14 de out. de 2021
  • 3 min de leitura

por Catarina Bijotti

revisado por Mariana Peixoto


O filme Martírio, dirigido por Vincent Carelli, Tatiana Almeida e Ernesto de Carvalho, foi produzido em 2016 e lançado em 2017 no Brasil. Trata-se de um documentário de quase três horas denunciando a tomada de terras indígenas na contemporaneidade e no passado do Brasil.

O tema é recorrente na carreira de Vincent Carelli Antropólogo e documentarista, o diretor trabalha há anos registrando diversas aldeias indígenas. Foi ele, inclusive, que criou o projeto Vídeo nas Aldeias, organização responsável por apoiar e divulgar diversos filmes realizados por indígenas.

A produção de Martírio por Carelli pode ser vista como o resultado de anos de pesquisa e luta do cineasta. Não é coincidência nenhuma que ele começa a guiar o filme a partir de imagens que fez em 1988 dos Guarani Kaiowá. Ele mesmo confessa que não entendia na época o que eles estavam discutindo por desconhecer sua língua, mas achou importante registrar. E que bom que o fez. Anos depois, com o material devidamente traduzido, recebemos uma das melhores falas e discussões presentes no filme: a forma capitalista imposta violentamente aos indígenas causou a sua ruína.

Trata-se de uma ideia já conhecida, de fato. Mas é impossível ignorar seu peso ainda hoje. Principalmente quando o filme nos apresenta os diversos políticos e grupos que enxergam essas pessoas como inimigos do interesse nacional. A própria Kátia Abreu protagoniza um desses momentos quando discursa em Brasília tratando a questão da demarcação de terras indígenas como adversa do progresso do país, defendendo assim o agronegócio.

O filme tem como objetivo nos mostrar o contrário. Por isso aposta no tom didático da narração, no uso de diversos registros antigos, atuais, cenas de jornais e mapas históricos. Com esses elementos, os cineastas montam uma verdadeira aula de história que dura quase 3 horas. Pode parecer um pouco cansativo, mas a urgência com a qual o tema é tratado nos faz assistir cada segundo.

Há um esforço muito grande no filme de desmentir falas de fazendeiros e políticos. Por conta disso, sua narrativa pode ficar um pouco repetitiva, mas nada que estrague a experiência de assistir a obra. Como exemplo dessa busca e desespero (completamente compreensível) em mostrar a verdade, a produção opta por entregar em um certo momento uma câmera para um grupo de indígenas filmarem os ataques que sofrem de milícias. O resultado é um registro de tiros disparados por esses homens em direção à propriedade indígena que dão uma pequena ideia ao espectador de como é ser enxotado e excluído pelo seu próprio país.

Através dessa onda explicativa e didática, é impossível não sentir nada durante essas quase 3 horas de filme. O longa é capaz de provocar o mínimo interesse a ponto de nos fazer pesquisar nomes, datas e acontecimentos históricos citados no documentário.

O apelo do filme é sintetizado muito bem na inserção do histórico discurso de Ailton Krenak no Congresso Nacional em 1987: “um povo que sempre viveu à revelia de todas as riquezas, um povo que habita casas cobertas de palha, que dorme em esteiras no chão, não deve ser identificado de jeito nenhum como o povo que é inimigo do Brasil, inimigo dos interesses da nação e que coloca em risco qualquer desenvolvimento.”

Martírio é um filme necessário, um clássico instantâneo que deve ser assistido pelos brasileiros que trata de um problema nacional que muitas vezes ignoramos. O desconforto e indignação que nos causa é resultado de um grito que está há 500 anos entalado.

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