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Terras: Descobrindo as fronteiras do Brasil com Maya Da-rin

  • camaraescurarevist
  • 14 de out. de 2021
  • 3 min de leitura

por Filipe Gabriel Vazzolla

revisado por Catarina Bijotti


Talvez uma das coisas mais interessantes do ser humano é a sua vontade de se juntar. Com tanto espaço no mundo e mais pessoas do que nunca, nós ainda insistimos desesperadamente em ficarmos juntinhos em lugares chamados megalópoles. Como pinguins se protegendo do frio, nos escondemos juntos para nos proteger do tédio.

Somos tão fixados em participar do nosso circulozinho que esquecemos que existe um mundo afora, um mundo com personagens além dos que conhecemos nos nossos livros de história, com comidas fora do nosso cardápio e jeitos de viver que nos trazem estranheza e curiosidade.

É aqui que entra o filme Terras.


Terras é um filme que não pode ser descrito apenas em palavras sem que algo não seja perdido na tradução. Tudo começou com uma pequena ideia em Cuba. Lá, Maya descobriu um desejo de se encontrar mais com as heranças culturais da América Latina. Vivendo a maior parte de sua vida perto da costa brasileira, como a grande maioria dos brasileiros fazem, ela começou a olhar para dentro do Brasil, para as partes geralmente esquecidas pelo resto do mundo.

Ela conseguiu a chance de viver com um amigo em Tabatinga. Porém, isto estava longe de ser uma garantia de que a ideia se tornaria realidade. Ela chegou lá sem saber o que ia conseguir e poderia muito bem ter ido e voltado com as mãos completamente vazias. Era como fazer uma trilha, só que a trilha não está demarcada e você nem sabe pra onde está indo.

Sem roteiro e sem estrutura, o filme foi criado antes de ser pensado. Maya simplesmente saiu procurando o que gravar e depois pensou como ia juntar tudo isso em algo legível. O melhor exemplo é a guia da trilha: durante o filme, ela recebe amplo espaço para colocar seus pensamentos para fora. Originalmente ela não ia fazer nada além de levar a equipe pela trilha, mas, no meio da caminhada, ela começou a falar, e eles simplesmente gravaram.

Este tipo de espontaneidade e de estrutura aberta e sem rumo são encontrados muitas vezes através do filme. O documentário está cheio de planos longos sem nada além do som diegético. Nos encontramos com famílias, taxistas, pajés, e passamos de um ritual tribal a um clube tocando Techno. O filme é colado junto com uma cola temática ao invés de uma cola dramática. O que eles usavam era o que eles tinham, o que nós vemos é o que eles viram. É por isso que é difícil descrever o longa: ele é algo espontâneo, feito para ser experienciado, não descrito.

O título do filme, Terras, é tão metafórico quanto é literal, pois ele não só fala da relação dos povos da região com a terra em que eles vivem, como também fala das origens de seus rituais.

O documentário começa com planos do chão da floresta. Gradualmente sons da cidade aparecem. Umas buzinas ali, uns carros passando aqui, e logo o chão da floresta vira o asfalto rachado de uma rua. A ordem antiga é removida e uma nova toma o seu lugar, trocamos a selva pela selva de concreto. Largamos a tribo comunal e partimos para o capitalismo global. Neste admirável mundo novo as antigas identidades e meios de viver não conseguem mais existir, e aqueles que ainda se agarram a essas tradições recebem um ultimato: se converter ao novo sistema ou perecer com suas ideias decadentes.

Mas mesmo assim as pessoas resistem, pois identidade não é algo que pode ser simplesmente trocado, muito menos comprado com mercadoria que traz apenas uma sensação superficial de “eu”. Os governos traçam fronteiras, talvez para o paulistano que vive longe delas elas façam sentido, mas, para aqueles que moram ali, estas linhas são apenas um incômodo, criadas por homens que nunca os conheceram e que, com certeza, são contra quase tudo que eles acreditam, mas que dizem representá-los. Os povos indígenas são deixados para lutar sozinhos. Cada indivíduo se agarra a suas crenças e rituais e, como se tivessem um dever com a sua família, fazem de tudo para continuar suas tradições, como se o mundo de fora nunca tivesse mudado, todo governo que tenta moldar seus cidadãos falhará, pois o espírito humano não pode ser controlado.

No final do filme vemos planos da cidade, de pessoas na cidade, e, lentamente, voltamos para o chão da selva. Não importa o quanto tentamos, não conseguimos escapar das nossas raízes.

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