Entrevista com Demerson Souza
- camaraescurarevist
- 24 de nov. de 2020
- 17 min de leitura
Atualizado: 2 de dez. de 2020
Por Catarina Silva Bijotti
Entrevista concedida no dia 23/10/2020
Demerson Souza foi aluno da Universidade Anhembi Morumbi do curso de Cinema e Audiovisual. Ingressou no primeiro semestre de 2016 e apresentou o TCC Mamãe tem um demônio no fim de 2019, o qual foi roteirista e diretor. Na semana PlayRec, apresentou o filme junto com alguns membros da equipe para os estudantes da faculdade.

Figura 1: Demerson Souza, ex-aluno e diretor e roteirista de Mamãe tem um demônio. Imagem concedida pelo diretor.
Câmara Escura – Durante a sua graduação, o que você gostava de fazer? Sempre se interessou por roteiro e direção?
Demerson Souza – Eu sempre gostei muito de roteiro. Nunca quis ser diretor, achava que eu não levava jeito, que seria muito complicado para mim. De fato, é, dirigir é muito difícil e eu me sinto mais confortável escrevendo. Mas tem um problema: dificilmente, principalmente na faculdade, você vai achar alguém que queira dirigir o que você escreveu. Todo mundo costuma querer dirigir o que escreveu, né? Então, meio que por obrigação, eu comecei a ser diretor e depois que a gente começa a gente pega gosto, né? Então estou sendo roteirista e diretor dos meus projetos até o momento.
CE – Então antes do Mamãe você já fez roteiro e direção?
DS – Sim. Pequenas atividades que a gente tinha na faculdade.
CE - Você era uma pessoa mais da parte teórica ou prática?
DS - Eu gostava tanto da parte teórica quanto a prática. Prova sempre é uma chatice, né? Eu gostava de tudo, mas claro que estar no set é a melhor coisa que a faculdade oferece, com certeza. Poder estar no set de cinema é incrível.
CE – Eu pergunto por que tem gente no curso de cinema que não está nem aí para a parte teórica, né?
DS – Nem para a prática (risos). Mas sempre tem, né? Tem de tudo.
CE – Em qual momento da graduação você teve a ideia de fazer o Mamãe?
DS – Segundo ano da faculdade. Tudo começou porque eu estava lendo uma biografia da Gretchen e estava vendo também um filme do John Waters, então acho que as duas coisas combinaram malucamente e depois vieram as primeiras referências. Mas o primeiro roteiro ele é de 2017, quando eu estava no segundo ano da faculdade. Em 2018 eu cheguei até a comentar para a Cláudia, antiga professora de roteiro da Anhembi. Muito boa ela, me deu vários conselhos, mas realmente a oportunidade de produzir só veio com o TCC em 2019. E ainda bem, porque o texto foi amadurecendo nesses 3 anos, eu também fui amadurecendo nesses 3 anos então... foi bom que durou tudo isso para acontecer .
CE – Foi muito cedo então.
DS – Foi. Eu tinha acabado de fazer 18 anos. Aí eu gravei o filme quando eu tinha 20.
CE – Explica muita coisa, então. Porque parece um projeto muito complicado, muitos detalhes...
DS – Sim. Inclusive tem gente que me fala isso: “Nossa, o Mamãe não parece um curta”. Acho que é um curta sim, mas de fato ele foi pensado para ser o piloto de uma série. Mas né, não tive a oportunidade de fazer, de transformar o conteúdo em uma série e acabou se transformando em um curta-metragem. Mas eu gosto dessa peculiaridade dele, acho que faz bem para a indústria dos curtas-metragens (risos).
CE – É, o Mamãe é muito diferente de outros curtas né, principalmente muito diferente de outros TCCs que a gente assiste.
DS – Acho que um pouco dessa diferença vem dele ser ligeiramente despretensioso.
CE – E também das referências, né? Você já me contou que tem referências do Lynch.
DS – Sim, vai de tudo, do cult à bagaceira. Até porque o próprio David Lynch é cult e bagaceira ao mesmo tempo. Tem muita coisa que ele faz na picaretagem, assim, com todo respeito falando. Mas é, ali tem Cidade dos Sonhos como também tem Vou de táxi da Angélica. É essa grande mistura. O que eu acho muito legal porque essa cultura muito popular brasileira é algo fantástico, então colocar ela em um filme nacional é deixar esse filme com a cara totalmente diferente do que é acostumado se ver.
CE – Mas a principal foi Lynch? Se fosse para escolher uma principal.
DS – Difícil... Eu acho que Lynch se sobressai. Mas sei lá, é tudo tão brasileiro, né? A gente tem os programas de domingo. Inclusive na banca, o Rogerio Ferraraz, que é um grande estudioso do cinema do Lynch, falou que Mamãe tem um demônio é o Lynch queer. Então acho que o Lynch se sobressai. Acho que 49% é cultura popular brasileira e 51% é Lynch mesmo.
CE – Outra coisa que eu queria perguntar é sobre a equipe. Eu assisti a conversa de vocês na semana PlayRec e deu para perceber que parecia todo mundo muito unido para fazer acontecer.
DS – Então, nessas horas que eu falo que tenho sorte. Estudei com gente muito legal, atenciosa, determinada...
CE – Então, faz um ano que o projeto finalizou, praticamente. E ainda está todo mundo ali, distribuindo o filme, participando desses debates, conversas...
DS – Todos os trabalhos que a gente tinha na faculdade nunca era só um filme, sabe? Era nossa forma de se validar no mercado. Então a gente tem isso, e vai continuar até o final da vida onde a gente puder exibir o Mamãe. E outros filmes que virão.
CE – É incrível, porque é um trabalho de faculdade, né? Às vezes as pessoas não se dão bem, o que é normal, mas ali parece que vocês tiraram a sorte grande.
DS – A gente conseguiu se comunicar muito bem, sim. Sempre tem atrito, mas a gente conseguiu se comunicar bem.
CE – E todo mundo fazendo o mesmo filme.
DS – Exatamente. Você viu lá, nossa equipe era gigantesca. Você estava na nossa primeira diária?
CE – Sim.
DS – Mais de 100 pessoas entraram no estúdio aquele dia, foi surreal.
CE – Sim. Foi difícil, mas tinha um clima muito bom ali.
DS – Foi delicioso. Do começo ao fim foi fantástico. Fiquei muito feliz de ter aquela experiência com set grande, até porque agora com a pandemia eu nem sei mais se é possível ter um set grande.

Figura 2: Equipe do TCC. Imagem tirada do Facebook do curta.
CE – E eu fico feliz de ter participado com vocês porque antes disso eu tinha tido experiências complicadas. Depois do Mamãe eu passei a ter uma outra visão de como fazer as coisas.
DS – É mesmo?
CE – É mesmo.
DS – Ai que bom, fico super feliz. Eu tenho uma história um pouco parecida com a sua porque... Assim, fazer filme com os amigos sempre ter momentos incríveis, né? Mas uma experiência que me mudou muito também foi no TCC de outra turma, que também eram meus veteranos. Eu fiz Sununga, que foi uma gravação que aconteceu na praia. Foi fantástico. Foi assim... um sonho se tornando realidade. Foi muito legal e também me abriu a mente para várias outras coisas.
CE – É, eu acho que isso é incrível para os alunos poderem conversar, participar de outros projetos.
DS – Tem que ter essa troca e eu fico muito feliz e emocionado de saber que foi bom para você, que foi super positivo.
CE – E outra questão sobre o Mamãe: quando você teve a ideia, quando estava produzindo, você tinha ideia que ia ser uma coisa desse tamanho? Que ia ter essa recepção que teve?
DS – Olha, eu não costumo nem voar alto, eu costumo ir para o sol mesmo, sabe? Assim, na minha mente eu divago muito. Mas eu não imaginei... A gente nunca sabe como as coisas vão ser. Então eu nunca imaginei, por exemplo, que o filme ia conseguir certos festivais que ele entrou. Assim como eu nunca imaginei também que ele não ia passar em certos festivais... Então é de tudo um pouco. Tem dia que o filme está lá em cima e dia que eu recebo 10 “nãos”, ou até mais. Então varia. Eu sei e o que eu pelo menos gosto e posso afirmar é que tem gente que gosta do filme. Tem pelo menos um grupo de pessoas que gostam do filme e eu sempre fico muito feliz quando eu descubro que tem mais alguém que gosta. Mas é super natural que nem todo mundo goste, que nem todo mundo aprove. E que bom, né? É isso. Para uma pessoa que nem eu, eu nasci longe da capital de São Paulo então fazer cinema nunca foi uma realidade quando eu estava crescendo, então ter feito um filme e saber que esse filme está sendo visto já é fantástico. Já é tudo o que eu queria. Podem meter o pau, estou feliz que vocês viram e estão metendo o pau, sabe?
CE – E também é uma primeira experiência, né? Não é uma coisa super profissional. E acho que nesse sentido, dentro dessa questão o Mamãe é incrível.
DS – Muito obrigado. E a gente está ganhando alguns prêmios, né? Então tem gente que gosta muito.

Figura 3: Demerson Souza e Soraia Costa nas gravações do curta. Imagem concedida pelo diretor.
CE – E como foi o momento do pitching? O que os professores acharam? Eles aprovaram logo de cara, recusaram ou pediram para alterar várias coisas?
DS – O primeiro passo do pitching foi quando a Tati pediu para cada um ler uma sinopse. E aí eu li minha sinopse, ela curtiu e disse que não tinha nada para mudar e uma semana depois rolou o pitching de fato. O meu pitching foi diferente dos outros. Primeiro porque eu fui o único que usou menos tempo que o necessário. Todos os outros ultrapassaram. Acho que isso é a primeira questão de tudo. Use o tempo que lhe foi dado e use até menos. Muita gente estava tentando elaborar e fazer teses sobre. Grandes teses. Eu tentei contar o que eu queria no menor tempo possível. E quando você tem esse desafio você tem que elaborar, você tem que se estruturar. E essa estruturação que você faz melhora muito o seu pitching. Então acho que esse foi um grande diferencial. Usei um tempo legal e eu estruturei ele bem antes. Eu sabia que eu tinha um começo, um meio e um fim, e foram minhas técnicas de convicção. Eu gostei bastante de ter feito. Infelizmente eu não tenho gravado. Gostaria de ter gravado. Acho que foi um pitching bem legal.
CE – É um momento que acho que você tinha vantagem porque você já tinha amadurecido muito bem a sua ideia. Já sabia muito bem o que você queria.
DS – Total. Acho que eu tinha um projeto mais velho assim na mente.
CE – Acho que já saber o que quer, qual resultado quer atingir já faz uma diferença enorme.
DS – Já. Eu trouxe referências brasileiras... Eu usei bom senso eu diria. Às vezes falta muito nessa hora.
CE – E depois que o projeto foi aprovado a produção começou e vocês iniciaram a captação de recursos. Mamãe dá a impressão de ser um projeto muito caro para os parâmetros de custo de TCC.
DS – Eu lembro quando eu entrei na faculdade os professores mostraram alguns TCCs. Eu era um menino que nunca nem tinha visto dinheiro na época, não que hoje eu tenha visto muito mais, mas na época era muito menos. E aí ele chegava e falava “esse TCC custou 4 mil”, “esse TCC custou 6 mil”. Eu olhava assim com o olho arregalado pensando: “nossa, isso foi um trabalho universitário e custou isso? O povo não sabe fazer as coisas direito". Aí eu cheguei lá e fiz um filme de mais ou menos 9 mil. Pois é, né? O mundo capota. Mas assim, 9 mil não é nada, né? Convenhamos. 9 mil no mundo do cinema não é nada. E a gente teve muito tempo para captar. Foi doido, foi doloroso, muita gente tirou do bolso, muita gente mesmo..., mas o fato de ser uma equipe numerosa ajudou muito porque, além da gente fazer a rifa (que rifa é uma coisa fantástica, é algo que eu faço desde o ensino médio e se precisar fazer vou sempre fazer) a gente também vendeu brigadeiro, recolheu dinheiro e vira e mexe as pessoas falavam “toma 200 pra isso”, “toma 300 pra aquilo”, não era assim fácil mas eles davam. Eu dei bastante dinheiro também. Porque é o que eu falei, a gente queria se afirmar no mercado, ou pelo menos se afirmar na cultura de festivais. Ou se afirmar até pra gente mesmo, né? Cinema é uma grande afirmação.
CE – Juntar dinheiro com equipe grande é mais fácil mesmo.
DS – É menos penoso, né? Eu sinceramente não acho que você faz um filme tranquilamente com menos de 18 pessoas. Seja na hora de financiar ou no set mesmo. Você viu, os nossos sets eram 20 e poucas pessoas e algumas pessoas ainda se sobrecarregavam. Não dá. Cinema é uma coisa de louco, de doente. Não é à toa que as coisas custam o que custam para serem feitas, é porque é muita gente.
CE – Sobre as músicas: Elas ficam na cabeça e é uma coisa que todo mundo que vê o filme comenta.
DS – Guilherme Gila é nosso compositor. O cara sabe fazer uma boa música, sabe compor em um bom ritmo. O cara é muito bom.
CE – E você sempre planejou que teria cenas musicais ou é uma coisa que veio depois?
DS – Olha, no começo eu não via exatamente como musicais, mas... eu sou uma pessoa que não canta, sabe? Eu não consigo ouvir minha voz direito cantando, eu detesto. Apesar disso eu gosto muito de música. Adoro música. Então tudo o que eu faço eu tento colocar uma música, nem que seja instrumental, porque eu também amo instrumentais. Então eu sempre soube que Mamãe teria música, até pelo fato dela ser uma cantora. Isso eu sempre soube. Mas aí o Gila chegou, todo mundo chegou, as bailarinas chegaram e virou uma coisa cada vez mais musical. E que bom que virou. Porque por exemplo, a gente tem aquela imagem super musical, inclusive foi um enquadramento que o Guilherme Gila na hora ele sugeriu, que é a Tete em frente e aí tem as outras (bailarinas) mais atrás. Essa imagem está rodando aí em festivais, em tudo. Por exemplo, a Chrys. Tem uma mulher chamada Chrys Rochat, que comanda o Rock Horror Film Festival, ela me falou que ela mandou várias fotos de vários filmes para diversos veículos de comunicação e todo mundo pegou esse enquadramento para ilustrar. Ou seja, o mundo ama musicais, porque aquilo é muito musical. E fiquei muito feliz. Mas é isso, sempre soube que ia ter música e o caminhar foi se tornar mais musical.

Figura 4: Frame de Mamãe tem um demônio no Jornal do Commercio (Pernambuco). imagem tirada do Facebook do curta.
CE – É um frame muito bonito mesmo.
DS – E também entra aquilo, né, se eu fosse um diretor rancoroso, se eu fosse um diretor que falasse “vai ser tudo do meu jeito”, sabe? Você tem que ser receptivo a ideias, generoso, porque sem essa ideia do Gila a gente teria perdido um frame muito fundamental.
CE – E você acompanhou de perto o processo de produção das músicas?
DS – Das músicas eu só não acompanhei a gravação, porque eu estava trabalhando na época. Mas eu ajudei na criação. Eu falava tipo “olha Gila, essa música tem que ser sobre isso, tem que passar esse sentimento e mais ou menos nesse ritmo”. Aí ele pegava o que eu dizia, já fazia a composição e cantava (porque ele também canta) e me mandava. Aí às vezes eu ia na casa dele e ele pegava o piano e ia... Foi assim. Ele consumiu uma biblioteca de referências para a Tete. E essa foi a primeira parte, a da composição. Depois teve o coro, as meninas do coro, aí a gente fez em um estúdio de São Bernardo e foi bem bacana. Lá a gente gravou o coro, a Soraia (que faz a Tete), os instrumentos... Foi uma equipe bem gigante. Só para 2 músicas precisou de umas 15 pessoas e custou 1500 reais, o que é super barato no mundo da música.
CE – E soa muito profissional.
DS – E é.
CE – Vocês disseram na semana PlayRec que tem gente que assiste e acha que as músicas já existiam, que não são originais.
DS – É porque o pessoal não está acostumado a ver música nos curtas-metragens.
CE – E sobre as gravações, vocês gravaram em estúdio, em Mogi... Qual foi o maior desafio durante as gravações?
DS – As cenas musicais a gente gravou em estúdio. Foram três dias de estúdio. E gravar em estúdio é o maior barato. O problema é ter dinheiro para montar um cenário em estúdio. Mas gravar em estúdio é fantástico. Eu sei que tem gente que detesta porque fala que não fica natural, mas é perfeito, o controle que você tem é incrível. Então eu fico feliz de ter aproveitado aquelas 3 diárias no estúdio, foi super legal. Recomendo muito que, quando a equipe puder fazer e se combinar com a história, que faça em estúdio. Porque é bom demais, não tem muitas complicações quando você faz no estúdio. Então a gente fez 3 gravações no estúdio, aí uma foi na rua mesmo (uma das mais sofridas), teve umas 4 ou 5 diárias aqui nessa casa (casa que usou de cenário para a casa da Beni) que até que é legal porque é em um bairro mais tranquilo, aqui no Brooklin, tem umas árvores que isolam, mas a gente sabe que quando a gente liga a câmera tudo começa a dar errado. Então de repente começaram a passar uns 100 aviões aqui e começou a ter uns barulhos que a gente jamais teria no estúdio. Mas foi super legal. E teve a gravação em Mogi que era o quarto da Larissa, porque essa casa tem um quarto faltando, então a gente tem que ir pra Mogi pra gravar em um lugar que se assemelhasse a essa casa. E foi muito legal porque tendo feito essa diária em Mogi possibilitou que a gente participasse de um festival exclusivo de Mogi e outras cidades ao entorno, que é o Curta Suzano onde a Soraia ganhou o prêmio de melhor atriz.

Figura 5: Equipe durante uma diária. Imagem concedida pelo diretor.
CE – Em relação aos festivais. Você já planejava a inscrição muito antecipadamente? Você já planejou que você ia se inscrever em centenas de festivais?
DS – Então, a gente tem um problema (no mundo inteiro aliás) que curta-metragem é produto de segunda linha, né? O mundo inteiro vê assim. Para os espectadores de cinema curta-metragem é segunda linha. Então um curta-metragem costuma fazer sucesso quando ele tem um bom marketing, ou quando tem alguém famoso atrelado ou de repente porque ele ganhou vários prêmios, como é o caso do Ilha das Flores. Mas para ele ganhar os prêmios e para ele ser visto, tem que ser uma galera que vá atrás. Só vê curta-metragem quem vai atrás de curta-metragem. Longa não, você ligou a TV sem querer e já está ali. Mas curta-metragem não é bem assim. Então onde as pessoas vão ver curta-metragem? Nos festivais de cinema. Então eu sempre soube que a única chance do Mamãe ser visto era nos festivais de cinema. E sim, eu sempre me planejei. Mas pra isso você pode ter duas estratégias. A primeira é: “meu filme é muito legal. Vou me inscrever em festivais grandíssimos para que ele tenha uma estreia maravilhosa em Locarno, em Berlim... Porque com essa estreia ele vai ser muito comentado”, o que é verdade, porque se você inscreve o filme em um festival grande como Cannes você nem precisa mais estar em nenhum outro festival. Mas eu sabia que Mamãe tem um demônio é um curta de 9 mil reais feito aqui em São Paulo, então minha estratégia foi: “vou mandar para tudo que der e o que vier é lucro”. Absolutamente todas as possibilidades que eu tinha eu mandei. E estou mandando ainda. Até final de 2021 vou mandar e ver o que acontece.
CE – Até agora foram quantos, mais ou menos?
DS – Foram cerca de 20 festivais. 5 mostras internacionais, 5 prêmios e já passou por vários estados brasileiros. Como está tudo online por causa pandemia então essa coisa de “estreou em tal estado” não é bem verdade. Mas ele passou em festivais de vários estados. Ou seja, foi visto por pessoas de vários estados. E recentemente descobri que ele vai ser exibido presencialmente em dois festivais: um em Balneário, perto de Florianópolis, no final de novembro (até ganhei acomodação para acompanhar o festival) e também vai ser exibido em uma cidadezinha da Inglaterra. Nesse eu não ganhei nada, infelizmente. Mas no final de abril vai ser exibido lá na Inglaterra. Então já tem essas duas confirmações presenciais, o que me alegra muito. E isso é fantástico. Não tem nada mais legal do que chegar e falar: “Mamãe foi exibido no Canadá”. Que bacana, né? Final do mês vai ser exibido no Reino Unido também. E que legal que tem gente de lá assistindo, nem que seja só 20 pessoas. Já é muito legal.
CE – E já ouviu muitos “nãos” dos festivais também?
DS – A maioria. A maioria é não. Acho que qualquer coisa que você faz a maioria vai ser não. Claro que tem exceções, mas todo o resto é não. Principalmente porque Mamãe eu inscrevi em festivais internacionais, então aí é mais difícil mesmo. Até porque assim, um festival brasileiro costuma ter 800, 1000 inscrições. Enquanto um internacional costuma ter 3000, 4000... Então a chance vai caindo mais. Entre os festivais brasileiros acho que eu tenho uma aceitação de 25, 30%, enquanto nos festivais internacionais é algo em torno dos 5%, por aí. Mas é a vida. O jogo é esse.
CE – Na semana PlayRec você tinha falado a quantidade de festivais que você se inscreveu... Era mais de cem, né?
DS – Bem mais, uns 250. Agora acho que já estou chegando nos 300. Porque a maioria daí é festival internacional e plataformas como Filmfreeway facilitam muito o envio. Mas dessas quase 300, 120 não responderam, 20 ou 30 foram canceladas por causa da pandemia e umas outras 20 eu passei. É o que eu te falei, o festival brasileiro eu costumo ter uma chance de uns 25% e internacional uns 5%. E tem que ser assim, tem que se inscrever em tudo pra passar. Porque assim, eu acho que o Mamãe é um filme de média aprovação. Eu acho que ele tem uma chance média de ser aprovado. Por exemplo, esse ano a gente tem A morte branca do feiticeiro negro que tem uma taxa de basicamente 100%. Ele está em todos os festivais, ganhou muitos prêmios e ano passado a gente teve o sucesso do Tommy Brilho, né? Eu estou citando dois universitários, que tiveram uma taxa de aprovação fantástica.
CE – É bom ir atrás dos festivais, ir conhecendo o que eles aprovam e o que não aprovam.
DS – Total. Muda tudo. E depois também você vai descobrindo prêmios. Por exemplo, Mamãe ganhou um prêmio que a gente tem 15 dias de estúdio gratuito. Então são coisas que vão te impulsionando a produzir mais.
CE – Se você fosse dar uma dica para os estudantes sobre os festivais, quais você acha que são os principais para eles conhecerem e irem atrás?
DS – Jogando grande tem mais ou menos 3 grandes festivais que eles têm uma grande chance de selecionar, mais ainda sim é uma seleção seleta. A gente tem o Kinoforum em São Paulo que seleciona bastante filme, trás uma visibilidade imensa e é difícil passar. Neste ano da pandemia, Mamãe não passou. Eu acho que foi por conta da pandemia, porque eles tiraram a mostra na qual Mamãe teria mais chance, que é a mostra universitária. Mas o Kinoforum é fantástico. Tem o festival de Cinema Vitória, que é um festival imenso também e Mamãe passou dessa vez. Também tem o festival de Gramado. Esses três atraem muita visibilidade. Agora um festival exclusivamente universitário eu aconselho o festival Metrô, lá de Curitiba. Esse festival é incrível. Tem um renome muito grande. Acho que ele traz mais visibilidade que muitos por aí que já são consagrados entre os profissionais. O Metrô para cinema universitário é fantástico. Me surpreendi positivamente.
CE – Em relação a TCCs anteriores, você assistiu algum TCC de turmas mais velhas que a sua que você gostou muito?
DS – Sim. Então, eu participei do Sununga, que foi uma experiência incrível. Também gostei muito quando eu vi na tela. Também gostei muito de um TCC chamado Chorar, que foi da mesma turma do Sununga mas eu acho que o curta acabou não rodando, não sei por quê. Pelo menos eu não lembro de ter visto ele na lista dos festivais. Mas eu gostei muito dele. E eu assisti outros, mas nenhum outro me marcou muito como esses.
CE – E você participou como assistente de direção?
DS – No Sununga eu participei como continuísta. Eu acho que só ajudei uma diária como assistente de direção porque nossa assistente teve que ir embora.
CE – É incrível, todo mundo deveria participar disso.
DS – Todo mundo tinha que participar de equipe de TCC, acho que desde o primeiro semestre. Até porque os TCCs precisam de equipe grande. E eu acho que os professores precisam incentivar, sabe? Todo semestre ter essa troca.
CE – Quais são seus projetos futuros?
DS – Esse ano tive um projeto. Um curta novo, o Nunca mais me vi que foi com edital. E é o que eu estou tentando agora, estou me jogando em editais para ver no que dá. E é uma coisa que eu devia ter começado desde a faculdade, mas só me abriu o olho esse ano. Até porque vários editais têm cota para quem nunca fez curta-metragem, ou que pelo menos tem curta-metragem que nunca rodou em festival. Mas é isso, estou tentando editais. Estou com um projeto grande chamado O décimo filho que eu estou tentando o (Prêmio) Estímulo. Fiquei um mês inteiro me debruçando nesse projeto e acho que ele tem uma certa relevância e uma certa chance de passar, mas só vou descobrir isso quando sair o resultado. E também estou tentando outros editais, até um edital para podcast. E é isso, enquanto você não tiver um nome muito grande no nosso mercado audiovisual e de cultura você precisa caçar esses editais, esses fomentos. Pelo menos se você quiser fazer algo que seja da sua autoria.
CE – Qual foi esse edital que você conseguiu?
DS – Foi da Spcine, Curta em Casa. Para realizar curtas-metragens em casa. Foi bem no coração da pandemia mesmo. Mas também tem outros caminhos, tem rodada de negócio, laboratório de projeto... No laboratório as pessoas que já estão na indústria pegam seu projeto e ajudam a lapidar ele para ele ficar o mais redondo possível. E aí eu me inscrevi em um laboratório que só ia selecionar 3 projetos e eu fiquei em quarto lugar. E tem as rodadas de negócio, que você manda seu projeto para várias produtoras e, se elas se interessarem, você vai ter uma reunião com elas. Esse ano eu fiz com o Mamãe mesmo, para transformar ele em série. Duas produtoras se interessaram, conversaram, mas infelizmente não foi pra frente. Mas eu tive essa experiência e ano que vem vou tentar de novo. Felizmente tem várias rodadas e laboratórios durante o ano, tem que ir tentando.
CE – Tem uma última dica aos estudantes?
DS – Informe-se. Você nunca vai saber o suficiente. Então seja curioso e bota a cara no sol. Você precisa ser visto.
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